sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Uma peça sociológica

Com uma máscara recuperada e mais reluzente do que nunca, o jovem estudante apaixonado parte para mais uma reunião. Com as falas decoradas na ponta da língua e a certeza de que tudo dará certo na peça, ele age com desenvoltura e ousadia frente à plateia; mas há alguém em especial numa das cadeiras, alguém que o ator quer impressionar, chamar a atenção com seu talento.

- Dani, e você, o que você acha de fazermos um artigo falando sobre nosso projeto de extensão?
- Acho uma boa, Cláudia, mas qual será o objetivo geral da pesquisa?
- Não sei, mas teria a ver com nossa ação frente aos que nos prestigiam. Alguém tem alguma ideia?

As personagens deram a ‘deixa’. É a hora exata para o estudante entrar em cena. Com a máscara re-arrumada e as falas guardadas, relampeja em sua mente a lembrança de antes do início da peça, quando os atores estenderam suas mãos em roda para o centro, e as levantaram gritando “MERDA!”. Como diz o funkeiro, “se tudo der certo, hoje vai dar merda!”.

- Pessoal, eu tenho um objetivo geral para a pesquisa!
- E posso saber qual é, Robinho?
- Ora, 'fessora, é simples! Pra começar, nós precisamos relembrar por quais motivos nós fazemos as feiras de troca. Quais são eles, meninas?
- Por ser uma maneira de repensar o consumo?
- Isso! Fala algum outro motivo, Débora!
- Porque mostra que novas relações de troca são possíveis!
- Perfeito!

A cena transcorre bem. O ator se encaixa como uma luva na cena e convence plenamente a plateia. Estamos no clímax.

- Mas, Robinho, como isso se encaixa com o objetivo geral da pesquisa?
- Professora Cláudia, é mais simples ainda responder isto!

Enquanto o estudante interpreta sua personagem, ele olha nos olhos de cada um da plateia para legitimar sua persuasão. De olhar para olhar, ele ganha cada vez mais força; porém seu olhar acaba se esbarrando naquele de quem ele mais pensava em impressionar desde antes da peça. Perguntas do tipo “será que eu estou falando demais?”, “estou passando segurança?”, “esqueci ou errei alguma frase?” e “o que estão pensando da minha atuação?” eram pra aparecer somente quando as cortinas se fechassem. Só que, ao contrário, todas elas apareceram uma atrás da outra, tão rápidas que pareciam ter surgido ao mesmo tempo.

Por um segundo, seus olhos se perderam na escuridão dos olhos pretos de Marta, que observara a toda a sua fala atentamente, com os olhos brilhando, mas com os ombros fechados. Em seguida, aturdido, seus pensamentos se embaralham dentro de sua cachola e saem misturados de sua boca.

- E, assim sendo, o objetivo geral da pesquisa é... é... pois bem, aaahh... sabe como é, né? Você, né, junta aqueles pontos e... e... ai, carai... pera aí, esqueci aqui do que ia falar... ai, me confundiii...

Da plateia saem risadas contidas, inclusive dos outros atores em cena; inclusive de sua doce amada. Uma atriz resolve improvisar:

- Esse Robinho é uma comédia mesmo! – ri a professora.

Enquanto todos riem, agora frouxamente, o ator bota as mãos no rosto para não quebrar a magia de sua interpretação. Rodando o palco, ele procura sua máscara, mas ela escorregara de seu rosto e sumira. Desesperado, ele foge pros bastidores ainda com as mãos no rosto e o coração na boca. As cortinas se fecham, encerrando uma peça que tinha tudo pra dar certo.

- Vou no banheiro e já volto!

É. Apesar do ritual de antes, a peça não deu certo. Mesmo assim, porém, terminou dando merda.


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3 comentários:

Ana Carolina disse...

seus textos são viajantes , mas adoro viajar junto com você AHAHAHAHA
enfim é aquilo que estávamos falando antes podemos usar máscara mas há sempre alguém que consegue fazer elas caírem :/

Joy disse...

Uau!!
Isso foi muito bom mesmo! De verdade Diego!
No início eu estava pensando que a intercalação das "coisas" era entre o acontecimento do teatro e algo que tivesse acontecido antes.

E.. É uma pergunta tosca, e que você muito provavelmente saiba a resposta, mas sabe por que os atores, bailarinos ou outros que se apresentam em teatros dizem "merda"?

Abracinho!

Daniel Simon disse...

Teoria dos papéis é foda mesmo. Mas enfim, eu diria pro Robinho que a melhor encenação é a inconsciente. Não delibere diretamente, quanto mais sútil for melhor ela será.

Impressione com uma suposta naturalidade (tá nós sabemos que ela não existe), não manipule demais.