segunda-feira, 27 de julho de 2009

Dia da cidadania - 3ª parte


Chegamos à Junta. Aquilo ali parecia um beco sem saída, lotado de gente. Era incrível: tinha preto, branco, amarelo, até azul, tudo junto numa fila que se enroscava em si mesma. Seria uma utopia realizada, se não fosse o lugar nem o motivo para estarem juntos.
  
Meu tio entrou como se fosse da casa com aquele típico sorriso de homem público visitando a comunidade. Ás vezes me pergunto se ele tinha esse sorriso por natureza ou se seguia bem os ensinamentos de Maquiavel, patrono da política. Pra ser sincero, acho que ele era e parecia ser uma pessoa sorridente; já feliz é outra estória. 
  
Já eu procurei um buraco no chão pra me esconder. Falhei miseravelmente.

  
Passamos por muita gente, a maioria sentada no chão. Deviam estar lá antes mesmo do sol nascer. O que elas demorariam uma manhã pra fazer, eu levaria apenas 10 minutos. Não era justo. Mas o que podia fazer? Era isso ou perder a prova.

Subimos as escadas. No 2º andar, meu tio entrou numa porta e falou com um senhor num computador. Era aquele que iria checar meus documentos. Junto com ele, havia oito caras esperando para serem atendidos. E eu furei a vez deles.
  
- Senhor vereador! Que prazer ter o senhor aqui! Como vai sua família? O senhor quer um cafezinho? Tem uma cafeteira ali no canto, ó – e apontou para uma garrafa térmica bem velhinha, assim como ele.
  
Véi, se tem uma coisa que eu não suporto nas pessoas é a mania de tratar os outros como meio para seus fins. E a gente percebe isso muito bem no “cidadão” brasileiro, sempre atuante (por imposição) nas eleições, com seu precioso voto. Tão precioso que custa um salário mensal do Estado, uma influência, uma rua asfaltada, uns canos pra levar a sujeira, uma cesta básica, uns maços de cigarro... 
  
- Olá, Marquinho! Minha família vai muito bem! Não precisa de café. Eu vim aqui pra apresentar meu sobrinho pras Forças Armadas!
- Oh... seu Jean, seu sobrinho é muito parecido contigo! Parece seu filho!
  
Sentei-me na última cadeira. Todos me olhavam como se eu fosse um assassino. Merda, não tinha nenhum buraco nesta bosta de junta militar!
  
Antes de atender (a meu tio, pelo menos parecia), o puxa-saco terminou o formulário que estava fazendo: 
  
- João Oliveira da Silva, nasceu dia 7 de outubro, 1º grau incompleto, mora numa rua sem nome e sem número do morro da Dona Marta. Você quer servir mesmo, né? Tá aqui, pode pegar; descer as escadas, primeira esquerda.
  
Após isso, o homem do computador perguntou pro meu tio:

- Qual é o nome do garoto? 
- Auguste Saint-Marie de Caux – falou meu tio, fazendo biquinho.
- Nome bonito. Quando nasceu? - ele nem perguntou como se escreve o nome oO”.
- 7 de Setembro de 1990.
- Grau de instrução?
- Ensino superior incompleto. Acabou de começar a faculdade! É Direito, numa federal, né, campeão?
  
Fiz um sinal positivo com a mão. Ela estava pesada.

- Nossa, que ótimo! Endereço?
- Avenida Atlântica, nº 1171, apto 1002, Copacabana.
- Quer servir?
- Não, ele vai estudar muito pra ter um brilhante futuro como juiz – fala com tamanho orgulho, como se ser juiz fosse a melhor profissão do mundo.
- Um instante, imprimindo o formulário. Vamos lá fora, enquanto não acaba. Mas, me diga, vai se candidatar a deputado ou não? O senhor tem muitas chances!
  
E lá foram os dois pra fora da sala. Enquanto a impressora reclamava por uma manutenção, dois caras estavam do meu lado impacientes.
  
- Qual foi meu, o tio foi lá fora bater papo e não vai adiantar pro meu lado? Fala sério, ele tá de zoa com a minha! Já comi uns salgados desde cedo e ainda tô com fome! Num guento mais ficar aqui!  
- E eu, que tava aqui desde às 5 e não pude comer nada? Pô, tô na maior dureza, né, brothê?
  
Minha consciência gritava sem parar: “Me tirem daqui, me tirem daqui! Me tirem a pauladas, socos, pontapés, o que for, mas me tirem daqui logo !!”.
   
A máquina para sua manifestação. Meu tio volta com o velho do computador.
- Então, grande Jean, se você se candidatar mesmo, pode crer que eu cairei de cabeça na sua campanha!
- Tá ótimo, então, Marquinho. Um abraço. Estamos aí!
- Aqui tá o formulário. Sabe o que fazer. Outro abraço pra você e seus filhos.

E voltamos para o térreo. Aqueles que tinha visto na fila ainda estavam lá, quase no mesmo lugar. Entramos na sala, que fedia a rato. Me deram uma caneta para assinar o formulário. Durante isso, uma burocrata grita:

- Rafael Luz!

Não acreditei: meu amigo vinha ali da porta se inscrever. Foi aí que eu passei de constrangido pra envergonhado.

- Tio, se lembra daquele meu amigo que eu pedi pro senhor ajudar também e o senhor disse que não dava?
- Sim, quê que tem?
- É ele entrando ali.

Como se fosse um importante eleitor, o tio disse:

- Ah tá. (não era época de eleições).

************************
Continua, povo...


Veja também:




5 comentários:

Anônimo disse...

oooo... curiosa p/ o final... saudades bj hn

Roberta Migueis disse...

no próximo, não se esqueça de pôr "burocracia" nos maracadores, hehe


pq será que essa série está me lembrando algum lugar conhecido...? ah, sim, o Imperial Colégio Militar, a casa de Thomaz Coelho.


já disse que você se expressa melhor nesses textos feitos praticamente só de diálogos? você consegue passar o seu fluxo de pensamento e impô-lo ao leitor assim, diretamente.


quero o final logooo! =D

Aninha disse...

Hahaha, to morrendo de rir com vc perg se colocariam vcs tds nus... Rsss

Bjks

Joy disse...

Estou gostando... HEhehe.. finalmente acabei de ler.. só pq hj eu não deveria ficar na internet!

bjo

Aninha disse...

Não acabou ainda, mas acho q ele n vai se declarar não...
Se eu colocasse os dois juntos no final seria muita utopia!

Bjks