sábado, 25 de setembro de 2010

Por quê fazer trocas [solidárias]?

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Texto proferido durante uma feira de trocas no Santuário das Almas, em Niterói. Parte da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010 - "Uma Economia para a Vida".

É com esta pergunta que começamos este texto. Será que é porque precisamos tirar vantagem dos outros? Absolutamente, não. Porque precisamos fazer doações? Não, não é bem assim. Porque temos que nos aproximar dos outros? Sim, mas não é o principal motivo. Reduzir o consumo? Também, mas há algo, além disso. Reciclar e reutilizar objetos? É muito importante pensar e agir a favor do planeta; porém, tem mais algo essencial atrás disto. Recusar o uso do dinheiro? Importante também, mas vamos sair do mundo das ideias. Antes de tudo, trocas são feitas porque as pessoas precisam existir. É a partir daqui que todas as outras respostas se relacionam, mostrando o que pode ser uma economia para a vida.

Todos nós temos necessidades básicas para existir; são elas comida, roupa e abrigo. Quando a sociabilidade se desenvolve, novas necessidades aparecem para os indivíduos, agora para viverem em sociedade. Saúde e lazer, além de outros elementos culturais e religiosos, são exemplos.

Só que há problemas na nossa sociabilização. Somos envolvidos por um espírito consumista, de sempre comprar “o novo”, e jogar fora “o velho”, que, geralmente, ainda está em bom estado. Fazendo isto, poluímos nosso planeta e acabamos com nossos recursos, prejudicando nossas vidas. Nossa Casa já é tão poluída diariamente por outros hábitos, como andar de carro, e o consumismo só ajuda. Com o tempo, haverá lugar para todo o nosso lixo no planeta? Precisaremos de um novo planeta? 

Desta maneira, as feiras de trocas (solidárias) são feitas para reduzir o consumo e a criação de lixo, reciclando coisas em bom estado e preservando o nosso planeta e seus recursos. 

Tudo bem, legal fazer trocas para evitar o consumo desnecessário e ajudar na conservação do meio ambiente (incluindo as pessoas); mas precisamos recusar o dinheiro? Claro que sim; porque o dinheiro atua na degradação das relações entre os indivíduos. Como assim?

Quando nós vamos a uma loja comprar um celular, por exemplo, tratamos os funcionários como se estivessem fazendo um serviço para nós (e estão mesmo, já que ganham dinheiro para isto). Eles nos atendem, pedimos o celular, eles buscam o produto, levamos para o caixa, pagamos com dinheiro a pessoa do caixa e vamos embora. Ora, vejam só: nem formamos laços com aquelas pessoas, nem perguntamos se elas estão bem, e muitos nem agradeceram o serviço, pois é o seu trabalho. Reparamos, então, que, geralmente, os funcionários são tratados como máquinas por nós, pois cumprem determinadas funções, e quando não funcionam direito, ou são consertados ou substituídos e jogados fora. E o celular? Quanto custa de verdade? Qual é seu verdadeiro valor?

Pois eu digo a vocês o seguinte: o valor-dinheiro das coisas é de mentira, é somente coisa da imaginação. O preço sobe, desce, uns zerinhos são cortados, outros colocados. Se algo muda sempre de acordo com paixões, é ilógico e desconexo com a realidade social do trabalho gasto para produzi-la. Ou seja, o valor “valor” das coisas não se baseia nas trocas, mas sim na produção. Com o dinheiro, tratam-se as coisas como se tivessem um valor sobre-natural. Os únicos valores que fazem sentido são este “valor”, baseado nas horas despendidas para produzi-lo, e o valor de uso, ou seja, se uma mercadoria satisfaz ou não necessidades humanas, sejam elas originárias do estômago ou da alma. 

Vamos dar um exemplo prático de tudo o que eu falei até agora. Uma troca solidária é o que eu fiz na primeira feira daqui com a Dona Érica (aliás, foi a primeira feira de que eu participei). Trouxe para cá, dentre outras coisas, o livro Dom Casmurro, do grande Machado de Assis, pois já tinha outro exemplar em casa, tornando-se, portanto, sem uso. Quando a feira começou, avistei uma caixa de isopor que era da Dona Érica. Me lembrei, então, da última vez que estive na praia, e não pude tomar a cerveja que eu gosto porque nenhum quiosque a vendia. Pensei comigo “porque não trocar meu livro pela caixa?”. Então fui a ela e perguntei se já lera Dom Casmurro. Ela disse que não, então eu ofereci meu livro em troca do isopor. Troca feita, tiramos uma foto juntos, e eu conheci um pouco dela, e ela um pouco de mim.

Várias coisas aconteceram com esta relação de troca:
• Deixou-se de lado o consumismo e a poluição, pois Dona Érica e eu, Diego (prazer), preferimos fazer trocas solidárias (reutilizando e reciclando) do que jogar coisas fora e comprar coisas novas. Estaríamos poluindo ainda mais o meio ambiente, derrubando árvores e extraindo petróleo mais do que o necessário.
• Renunciamos ao dinheiro. Com isto, tratamos as coisas por um valor real, e não imaginário, que é o valor de uso. Tendo que conversar com Dona Érica para saber se era útil a ela o livro, tive que saber seu nome, e com isto, nos aproximamos. Seria a mesma coisa se a Dona Érica estivesse vendendo a caixa de isopor e eu com dinheiro, querendo comprá-la? Só se eu fosse um cara muito legal. Resumindo, deixamos de tratar as pessoas como coisas e as coisas como pessoas.



Assim, nós do Bonde da Troca mostraremos a vocês – e vocês mostrarão a nós – nesta feira que é possível se relacionar diferentemente do comum numa troca. Ao invés de olhar para o possível “valor-dinheiro” das coisas, preocupado se fulano está lhe passando a perna, vamos olhar se elas serão úteis para nós. Não vamos trazer coisas para fazer doação (estas podem ser doadas para a igreja), mas sim para trocar por coisas úteis para o nosso lar. 

Vale lembrar que ninguém é obrigado a trocar com outra pessoa. E é importante dizer também que qualquer coisa pode ser trocada, desde coisas até saberes; só pessoas não podem ser trocadas, simplesmente porque não são coisas.

A Campanha da Fraternidade Ecumênica deste ano tem tudo a ver com a nossa proposta, a da Economia Solidária. As feiras de troca, aliadas a diversas cooperativas sem patrão, onde todos se revezam entre as tarefas periodicamente, o voto de cada um vale um nas decisões em assembleia, e o que se ganha é repartido igualmente entre os cooperados, são a prova de que uma economia para a vida é possível. Devemos lutar para por essa economia em prática, para substituir a atual. É o que fazemos ao ensinar a organizar feiras de troca. Queremos que isto se espalhe para a vida de vocês, que a Igreja faça por conta própria suas feiras solidárias.

Agora, chega, que já falamos demais. Vamos começar a feira, pois eu preciso de uma nova pasta para guardar minhas xeroxs, já que a última eu quebrei. Essas coisas feitas na China, sabe como são... alguém já leu O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo? Eu tenho o primeiro volume aqui!

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