
Neste pequeno trabalho, terei o exaustivo, porém gratificante, desafio de fazer uma análise estrutural do conto João e Maria, dos Irmãos Grimm. Assim como eles [as crianças], sinto-me perdido nesta floresta teórica chamada “Antropologia Estrutural”; mas, assim como o João, eu entrei nela com pedrinhas no bolso.
O conto é narrado por alguém de fora, que mostra como duas crianças tentam sobreviver aos infortúnios na floresta e na casa de uma “bruxa”. Talvez esta análise possa contribuir para exemplificar o Estruturalismo. Se não conseguir, meu C.R. poderá pagar o preço da minha incompetência...
Antes de qualquer coisa, irei resumir em tópicos, assim como faz Da Matta em seu ensaio Poe e Lévi-Strauss no Campanário, o conto para, em seguida, estruturar seus elementos:
- João e Maria vivem numa casa muito humilde, feita de troncos de árvores.
- Logo próxima a ela, existe uma floresta onde seus pais colhem lenha.
- Por falar neles, a família das crianças é formada por pai, madrasta e filhos.
- Sua família começa a passar dificuldades, pois o pai não consegue prover mais alimento para todos os membros.
- A madrasta aconselha se livrar das crianças, fingindo que eles as perderam na floresta, enquanto cortavam lenha. O pai, contrariado, aceita.
- As crianças ouvem a conversa. Maria se desespera, mas João tem um plano: usar pedrinhas do rio para marcar o caminho.
- No dia seguinte, o plano de João dá certo. O brilho da lua cheia é refletido pelas pedrinhas, que guiam as crianças até em casa. O pai fica feliz, mas a madrasta, chateada.
- Mais tarde, as dificuldades financeiras voltam a apertar a família. A madrasta convence o pai a novamente abandoná-las na floresta; porém, agora, mais distante.
- João e Maria ouvem a conversa novamente, mas João não consegue colher mais pedras por estarem trancados. Eles trocam as pedras, então, por migalhas de pão.
- Mas as migalhas de pão não dão conta do recado. A distância faz o pão acabar, e, quando acordam, não encontram um rastro sequer de seus pedacinhos; os pássaros comeram tudo.
- Vagando pela floresta, as crianças avistam um belo pássaro branco de voz cristalina. Perseguindo-os, elas acabam chegando a uma casa totalmente diferente da sua antiga. Com telhado de torta, paredes de pão e janelas de açúcar, as crianças se deliciam com ela.
- Uma velha senhora sai da casa e, vendo-o sua situação deplorável, convida-as para entrarem. Dando comida e cama, as crianças acham que chegaram ao céu.
- No entanto, a senhora era uma bruxa má. Querendo engordar João para comê-lo, ela o coloca numa gaiola, enquanto faz de Maria uma servente; além das tarefas do lar, ela deverá fazer as comidas para deixarem o irmão “no ponto”.
- Toda vez que a bruxa ia averiguar o peso de João, ela pedia seu dedo para apalpar, já que era quase cega. Astuto, João finge sempre um osso de galinha ser um dedo.
- Um dia, revoltada por pensar que não conseguia fazê-lo engordar, a bruxa ordena Maria a prepara o forno, pois “gordo ou magro, irei matar seu irmão e irei fervê-lo”. Maria chora, mas nada pode fazer, senão fazer o que a bruxa a ordena.
- Mas a bruxa era gulosa. De uma vez só, queria também assar e comer Maria. Para isto, pediu a ela que subisse e entrasse na fornalha para ver se já estava quente.
- Entretanto, Maria, pela primeira vez, demonstra astúcia e, percebendo as intenções da bruxa, pergunta como se faz pra subir nela.
- A bruxa a mostra, chamando-a de pateta. Maria aproveita e a empurra para dentro do forno, matando a velha.
- Ao soltar o irmão, eles se abraçam aliviados e “dão uma geral” na casa, enchendo seu bolso de tesouros da bruxa.
- Com a ajuda de um pato, eles cruzam um rio. Logo, eles acham o caminho de casa.
- Ao chegar em casa, seu pai os abraçam muito feliz, já que se arrependera amargamente de seus atos. Ele conta que sua esposa morrera.
- Agora, com as riquezas da bruxa e unidos novamente, os três viveram felizes para sempre.
Parece que a família de João e Maria vive um pouco afastada de outras. A sociedade deles, então, parece ser descentralizada, tendo vários centros – as famílias.
Porém, se olharmos atentamente a Natureza, que intervém diversas vezes no destino dos irmãos, e que é dela que o pai tira o sustento da casa, ganhando prestígio, podemos imaginar que a Natureza é o verdadeiro centro dessa sociedade – onde os homens se unem (ou não, é incerto) para caçar animais, colher vegetais e cortar madeira, responsabilizando-se pela base material da família.
[Lendo que a família saíra com todos seus membros para cortar lenha,] talvez toda a família esteja em contato com o centro [rotineiramente], demonstrando a homogeneização das funções e compartilhamento do prestígio (deixando de haver prestígio, óbvio). Isto faria a distinção entre homem, mulher e crianças algo mais complicado, [além de refutar minha tese]. Entretanto, se imaginarmos como uma situação atípica “se livrar dos filhos na floresta”, e que a madrasta apenas saíra junto do marido para assegurar sua vontade [sobre a do marido], então, teremos uma análise renovada desta família e das distinções entre gêneros e idades.
O pai das crianças, apesar de ser aquele que provêm o sustento da casa, está passando por dificuldades para cumprir seu papel. Isto faz com que ele perca seu prestígio na família para sua esposa, que passa a tomar as decisões da casa (inclusive as mais drásticas, como abandonar os enteados na floresta para que a família não morra de fome).
Do lado das crianças, ainda é o homem quem toma as decisões. João sempre tem um plano para trazê-los de volta à casa deles, recorrendo à Natureza. Maria, assim como provavelmente a madrasta e a bruxa, se atém ao trabalho do lar. Porém, o prestígio dele muda quando suas ordens começam a dar errado, desde a ideia de usar pão para marcar caminho, até a de comer a casa da bruxa. Assim, de maneira igual à relação entre a madrasta e seu pai, Maria passa a acumular o prestígio perdido de João, ao ser mais esperta do que a bruxa e assá-la na fornalha.
Por falar na casa da bruxa, é interessante notar a contradição entre ela e a casa da família: uma casa feita de tronco de árvores, com pessoas passando dificuldades; enquanto a outra, feita de chocolate, pão e açúcar, e cheia de tesouros dentro. O que isto representa? Talvez o prestígio da Bruxa em conseguir tirar e acumular mais riquezas da natureza? Ou será outra cultura que entrou em conflito ao lidar com uma diferente?
Considerando-se o encontro de duas sociedades diferentes, a da Bruxa, para lidar com a alteridade, decidiu por um ritual antropofágico para metabolizar a outra e torná-la idêntica à sua; enquanto a de João e Maria, ao contrário, vomitar [segregar, aniquilar] a bruxa (matando-a), já que não se tinha jeito de mudá-la. Em consequência, as crianças voltam para casa com as riquezas dela e vivem felizes para sempre, pelo fato da madrasta ter morrido também. Seria a madrasta a bruxa? De um jeito ou de outro, a cultura de João e Maria adquiriu alguns novos elementos da cultura da bruxa, enquanto que esta foi aniquilada.
Assim, o conto de João e Maria é um bom exemplo da teoria estruturalista de Lévi-Strauss. Nota-se que há diversos conflitos causados por mudanças dentro da própria sociedade de João e Maria, e quando ela entra em contato com a da Bruxa. Isto mostra como as sociedades podem mudar alguns elementos de sua estrutura de lugar, a partir de contatos com outros modelos de estrutura ou a partir de mudanças materiais. Mostra também como se dá a intransigência em relação ao outro. As sociedades não são imutáveis, mas não podem ser aniquiladas ou “engolidas”. Isto acabaria com o duplo sentido do progresso da humanidade, de que as pessoas, para evoluírem, “precisam colaborar entre si, pois “no decorrer desta colaboração, eles vêem identificar-se gradualmente as contribuições de cada cultura, cuja diferença inicial era precisamente o que tornava sua colaboração fecunda e necessária”.
Parece que eu, seguindo as pedrinhas deixadas no caminho, consegui voltar para casa. Êpa, espera um instante; quem é que colocou esse telhado de chocolate na minha casa?
OBS.: colchetes foram usados para complementar o artigo, diferenciando-o da versão original.
Referências Bibliográficas:
DA MATTA, Roberto. Poe e Lévi-Strauss no Campanário ou a Obra Literária como Etnografia. In:______. Ensaios de Antropologia Estrutural. Petrópolis: Vozes, 1973.
GRIMM, Jacob; GRIMM, Wilhelm. Hansel and Gretel. Disponível em: <http://www.pitt.edu/~dash/grimm015.html>. Acesso em 13 novembro 2010.
LÉVI-STRAUSS, Claude. A ciência do concreto. In:______. O Pensamento Selvagem. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.
______. Raça e História. In:______. Antropologia Estrutural Dois. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1976.
______. Tristes Trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
LÉVI-STRAUSS, Claude. A ciência do concreto. In:______. O Pensamento Selvagem. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.
______. Raça e História. In:______. Antropologia Estrutural Dois. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1976.
______. Tristes Trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
Um comentário:
Tem razão, Diego. Desta análise sai, fácil, um belo conto do conto !
bjs
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