sábado, 20 de novembro de 2010

João e Maria perdidos na Antropologia Estrutural

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Neste pequeno trabalho, terei o exaustivo, porém gratificante, desafio de fazer uma análise estrutural do conto João e Maria, dos Irmãos Grimm. Assim como eles [as crianças], sinto-me perdido nesta floresta teórica chamada “Antropologia Estrutural”; mas, assim como o João, eu entrei nela com pedrinhas no bolso.
O conto é narrado por alguém de fora, que mostra como duas crianças tentam sobreviver aos infortúnios na floresta e na casa de uma “bruxa”. Talvez esta análise possa contribuir para exemplificar o Estruturalismo. Se não conseguir, meu C.R. poderá pagar o preço da minha incompetência...

Antes de qualquer coisa, irei resumir em tópicos, assim como faz Da Matta em seu ensaio Poe e Lévi-Strauss no Campanário, o conto para, em seguida, estruturar seus elementos:

  1. João e Maria vivem numa casa muito humilde, feita de troncos de árvores.
  2. Logo próxima a ela, existe uma floresta onde seus pais colhem lenha.
  3. Por falar neles, a família das crianças é formada por pai, madrasta e filhos.
  4. Sua família começa a passar dificuldades, pois o pai não consegue prover mais alimento para todos os membros.
  5. A madrasta aconselha se livrar das crianças, fingindo que eles as perderam na floresta, enquanto cortavam lenha. O pai, contrariado, aceita. 
  6. As crianças ouvem a conversa. Maria se desespera, mas João tem um plano: usar pedrinhas do rio para marcar o caminho.
  7. No dia seguinte, o plano de João dá certo. O brilho da lua cheia é refletido pelas pedrinhas, que guiam as crianças até em casa. O pai fica feliz, mas a madrasta, chateada.
  8. Mais tarde, as dificuldades financeiras voltam a apertar a família. A madrasta convence o pai a novamente abandoná-las na floresta; porém, agora, mais distante. 
  9. João e Maria ouvem a conversa novamente, mas João não consegue colher mais pedras por estarem trancados. Eles trocam as pedras, então, por migalhas de pão.
  10. Mas as migalhas de pão não dão conta do recado. A distância faz o pão acabar, e, quando acordam, não encontram um rastro sequer de seus pedacinhos; os pássaros comeram tudo.
  11. Vagando pela floresta, as crianças avistam um belo pássaro branco de voz cristalina. Perseguindo-os, elas acabam chegando a uma casa totalmente diferente da sua antiga. Com telhado de torta, paredes de pão e janelas de açúcar, as crianças se deliciam com ela.
  12. Uma velha senhora sai da casa e, vendo-o sua situação deplorável, convida-as para entrarem. Dando comida e cama, as crianças acham que chegaram ao céu.
  13. No entanto, a senhora era uma bruxa má. Querendo engordar João para comê-lo, ela o coloca numa gaiola, enquanto faz de Maria uma servente; além das tarefas do lar, ela deverá fazer as comidas para deixarem o irmão “no ponto”.
  14. Toda vez que a bruxa ia averiguar o peso de João, ela pedia seu dedo para apalpar, já que era quase cega. Astuto, João finge sempre um osso de galinha ser um dedo.
  15. Um dia, revoltada por pensar que não conseguia fazê-lo engordar, a bruxa ordena Maria a prepara o forno, pois “gordo ou magro, irei matar seu irmão e irei fervê-lo”. Maria chora, mas nada pode fazer, senão fazer o que a bruxa a ordena.
  16. Mas a bruxa era gulosa. De uma vez só, queria também assar e comer Maria. Para isto, pediu a ela que subisse e entrasse na fornalha para ver se já estava quente.
  17. Entretanto, Maria, pela primeira vez, demonstra astúcia e, percebendo as intenções da bruxa, pergunta como se faz pra subir nela.
  18. A bruxa a mostra, chamando-a de pateta. Maria aproveita e a empurra para dentro do forno, matando a velha.
  19. Ao soltar o irmão, eles se abraçam aliviados e “dão uma geral” na casa, enchendo seu bolso de tesouros da bruxa.
  20. Com a ajuda de um pato, eles cruzam um rio. Logo, eles acham o caminho de casa.
  21. Ao chegar em casa, seu pai os abraçam muito feliz, já que se arrependera amargamente de seus atos. Ele conta que sua esposa morrera.
  22. Agora, com as riquezas da bruxa e unidos novamente, os três viveram felizes para sempre. 
Parece que a família de João e Maria vive um pouco afastada de outras. A sociedade deles, então, parece ser descentralizada, tendo vários centros – as famílias.

Porém, se olharmos atentamente a Natureza, que intervém diversas vezes no destino dos irmãos, e que é dela que o pai tira o sustento da casa, ganhando prestígio, podemos imaginar que a Natureza é o verdadeiro centro dessa sociedade – onde os homens se unem (ou não, é incerto) para caçar animais, colher vegetais e cortar madeira, responsabilizando-se pela base material da família.

[Lendo que a família saíra com todos seus membros para cortar lenha,] talvez toda a família esteja em contato com o centro [rotineiramente], demonstrando a homogeneização das funções e compartilhamento do prestígio (deixando de haver prestígio, óbvio). Isto faria a distinção entre homem, mulher e crianças algo mais complicado, [além de refutar minha tese]. Entretanto, se imaginarmos como uma situação atípica “se livrar dos filhos na floresta”, e que a madrasta apenas saíra junto do marido para assegurar sua vontade [sobre a do marido], então, teremos uma análise renovada desta família e das distinções entre gêneros e idades.

O pai das crianças, apesar de ser aquele que provêm o sustento da casa, está passando por dificuldades para cumprir seu papel. Isto faz com que ele perca seu prestígio na família para sua esposa, que passa a tomar as decisões da casa (inclusive as mais drásticas, como abandonar os enteados na floresta para que a família não morra de fome).

Do lado das crianças, ainda é o homem quem toma as decisões. João sempre tem um plano para trazê-los de volta à casa deles, recorrendo à Natureza. Maria, assim como provavelmente a madrasta e a bruxa, se atém ao trabalho do lar. Porém, o prestígio dele muda quando suas ordens começam a dar errado, desde a ideia de usar pão para marcar caminho, até a de comer a casa da bruxa. Assim, de maneira igual à relação entre a madrasta e seu pai, Maria passa a acumular o prestígio perdido de João, ao ser mais esperta do que a bruxa e assá-la na fornalha.

Por falar na casa da bruxa, é interessante notar a contradição entre ela e a casa da família: uma casa feita de tronco de árvores, com pessoas passando dificuldades; enquanto a outra, feita de chocolate, pão e açúcar, e cheia de tesouros dentro. O que isto representa? Talvez o prestígio da Bruxa em conseguir tirar e acumular mais riquezas da natureza? Ou será outra cultura que entrou em conflito ao lidar com uma diferente?

Considerando-se o encontro de duas sociedades diferentes, a da Bruxa, para lidar com a alteridade, decidiu por um ritual antropofágico para metabolizar a outra e torná-la idêntica à sua; enquanto a de João e Maria, ao contrário, vomitar [segregar, aniquilar]  a bruxa (matando-a), já que não se tinha jeito de mudá-la. Em consequência, as crianças voltam para casa com as riquezas dela e vivem felizes para sempre, pelo fato da madrasta ter morrido também. Seria a madrasta a bruxa? De um jeito ou de outro, a cultura de João e Maria adquiriu alguns novos elementos da cultura da bruxa, enquanto que esta foi aniquilada.

Assim, o conto de João e Maria é um bom exemplo da teoria estruturalista de Lévi-Strauss. Nota-se que há diversos conflitos causados por mudanças dentro da própria sociedade de João e Maria, e quando ela entra em contato com a da Bruxa. Isto mostra como as sociedades podem mudar alguns elementos de sua estrutura de lugar, a partir de contatos com outros modelos de estrutura ou a partir de mudanças materiais. Mostra também como se dá a intransigência em relação ao outro. As sociedades não são imutáveis, mas não podem ser aniquiladas ou “engolidas”. Isto acabaria com o duplo sentido do progresso da humanidade, de que as pessoas, para evoluírem, “precisam colaborar entre si, pois “no decorrer desta colaboração, eles vêem identificar-se gradualmente as contribuições de cada cultura, cuja diferença inicial era precisamente o que tornava sua colaboração fecunda e necessária”.

Parece que eu, seguindo as pedrinhas deixadas no caminho, consegui voltar para casa. Êpa, espera um instante; quem é que colocou esse telhado de chocolate na minha casa?

OBS.: colchetes foram usados para complementar o artigo, diferenciando-o da versão original.

Referências Bibliográficas:

DA MATTA, Roberto. Poe e Lévi-Strauss no Campanário ou a Obra Literária como Etnografia. In:______. Ensaios de Antropologia Estrutural. Petrópolis: Vozes, 1973.

GRIMM, Jacob; GRIMM, Wilhelm. Hansel and Gretel. Disponível em: <http://www.pitt.edu/~dash/grimm015.html>. Acesso em 13 novembro 2010.

LÉVI-STRAUSS, Claude. A ciência do concreto. In:______. O Pensamento Selvagem. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.

______. Raça e História. In:______. Antropologia Estrutural Dois. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1976.

______. Tristes Trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

Um comentário:

Vanessa Anacleto disse...

Tem razão, Diego. Desta análise sai, fácil, um belo conto do conto !


bjs