quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Dia da cidadania - Interlúdio


Passaram-se mais de três anos desde que escrevi as últimas linhas sobre minhas desventuras no alistamento militar. Pra ser sincero, nesse interlúdio, vez ou outra eu pegava o texto e fazia diversas mudanças sutis, desde uma metáfora nova até a correção de simples erros grmaticais – as malditas vírgulas, que creio eu, achava dominar, mostraram-se feras indomáveis e traiçoeiras. Apesar do constante trabalho e retrabalho em cima da obra, uma hora acabei me cansando desta punhetagem. 


Acontece que, de jeito maneira alguma, eu não conseguia seguir adiante a narrativa. Na época, eu não compreendia o porquê; afinal, era muito simples: contar o que aconteceu destilando ironias – pelo menos parecia ser algo fácil que qualquer jovem literato poderia fazer com relativo sucesso. No entanto, tinha alguma coisa me travando, amarrando-me a primeira parte da estória. Até eu descobrir que se tratava de um perfeccionismo que impedia o escritor de dizer o que realmente sentia, eu decidi deixar o tempo agir a meu favor. 

(Breve ressalva. Perfeccionismo é muito importante, mas não pode ser levado totalmente a sério, assim como fazer as coisas nas coxas não torna o trabalho nada gratificante. O certo é não agir 8 ou 80, mas buscar um meio-termo entre aquilo que achamos o mais belo e aquilo que somos capazes de fazer num determinado momento; afinal, não somos super-heróis nem nenhum zero a esquerda: nós somos gente feita de carne, osso e sentimentos, capazes de pensar criticamente e intervir no mundo.) 

E foi o que eu fiz: larguei a faculdade de direito, passei para o curso de ciências sociais. Foi uma das decisões mais difíceis da minha vida, já que até no meu futuro meus pais queriam decidir (sei que só queriam me ajudar, mas, principalmente os jovens, sábios e best-sellers de auto-ajuda bem sabem que aquilo que melhor é para um, não necessariamente é melhor para outros, mesmo sendo seu filho criado a leite-com-pêra e ovomaltino), então travei uma batalha que até hoje ressoa em minha vida e continuará talvez pro resto de minha vida – já que terei sempre que explicar que me formei em Ciências Sociais, não em Serviço Social. 

Um outro evento que me marcou neste período foi uma paixão tardia por minha ex-melhor amiga. Eu não quero entrar em detalhes porque já o fiz em um depoimento (os bons tempos do orkut!) e reviver aquilo tudo me dói demais. Tudo que posso dizer é que voltei a falar com ela, mas se a chamo de amiga, é porque meu coração ainda quer chamá-la de amor. 

O terceiro evento, por sua vez, foi quando me cansei de ver os mesmos erros serem repetidos again, again, again e decidi buscar ajuda profissional. Começou assim minha (psico)terapia: já fazem mais de dois anos de tratamento (com melhoras significativas no meu estilo de vida, que logo logo entrarei em detalhes). Não é a toa que eu relato este caso logo após ao de T. Anteriormente, um amigo me recomendou sua psicóloga, pois achava – e com razão – que eu precisava de ajuda para compreender e lidar com meus problemas. Após eu chorar por mais uma decepção amorosa, perguntei-me se estar, pior do que a deriva, preso num ciclone interminável era realmente a vida que eu queria continuar a levar; já que não era (ufa!), o que eu poderia fazer para escapar (já que esperar uma solução descer dos céus para me salvar não estava me ajudando muito)? 

Foi aí que, enxugando as lágrimas, liguei para Clara, e desde então, faço avanços significativos na terapia. Acredito que ainda não posso transformar em argumentos sólidos minha evolução (na verdade, eu nunca poderei, pois sempre verei minha vida de maneira diferente com o passar da idade, mas, a título de honestidade, já posso dar uma desculpa convincente e – pelo menos – sincera sobre ter demorado tanto tempo pra continuar este conto), mas já formulo que meu perfeccionismo extremamente irritante me atrapalhou na elaboração desta narrativa. 

Acontece que eu estava mais preocupado em escrever uma obra-prima do que escrever o que meu coração mandava. Estava mais preocupado em criar uma estória que todos fossem gostar do que algo que eu tivesse o prazer em criar. Enfim, estava agindo como se fosse um escritor por profissão, e não um escritor por religião. Quem me acordou para este detalhe foi Seymour, irmão mais velho de Buddy Glass, conhecido também como Major Anticlímax. Se eu tivesse lido este recado direcionado ao Buddy na época em que eu comecei a escrever Dia da Cidadania, teria passado batido. Aposto minha vida nisto. No duro. Faltava-me mais amadurecimento, coisa que só comecei a desenvolver quando passei a fazer minhas escolhas e responder por elas, sem intermédio de (e tendo muitas vezes que entrar em conflito com) meus pais e sem me preocupar exageradamente com o que eles e os outros iriam pensar (confesso que ainda penso um pouco assim, mas já foi bem pior). Graças a meu trabalho em clínica (e fora dela, principalmente), o que era mistificado começou a ficar claro, e o que era um ciclone violento e de apatite insaciável começa a se transformar numa paisagem cotidiana (e acredite: por ser assim esta paisagem é mais bela do que se fosse uma ilha paradisíaca porque é assim que a vida é; não existe nada mais belo do que a verdade). Isto prova que o que muda o mundo não são palavras, mas sim práticas.

Após tecer este singelo pedido de desculpas a você, queridíssimo leitor, cabe-me agora terminar meu relato sobre o alistamento militar. Antes de prosseguirmos, quero apenas atentar para um detalhe: não moro na cidade do Rio de Janeiro nem sou carioca, mais ainda sim sou do Estado do Rio de Janeiro. Na verdade, eu sou nascido e criado em Nova Iguaçu, cidade que fica na Região Metropolitana do Estado (favor não fazer igual às madames de cachorrinho no colo da Zona Sul e pensar que minha cidade faz parte da zona norte do Rio; agradecido, um suburbano); além disto todos os nomes citados nesta estória são pseudônimos. De restante, tudo o que já foi escrito, se de fato não aconteceu, é porque, para os poetas, as memórias não são gravadas somente no cérebro, em especial a região do hipocampo; mas também no coração.

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CONTINUA!!

Outras partes do conto:
1a parte
2a parte
3a parte
4a parte

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