domingo, 10 de maio de 2009

Rita ou Os Olhos

Lá estou eu com minha cama. Mais um dia se passou e as coisas continuam as mesmas. A minha dura e pesada condição de viver que sacrifica o meu espírito. O meu mole e leve colchão que sacrifica o meu corpo. Todos os dias. E as lágrimas caem.
Foi numa sexta-feira. Dia 13, diga-se de passagem. Após anos me calando, resolvi declarar o que eu sentia por Rita, minha amiga de infância. Ela me chamara para ajudá-la com um dever de química da faculdade. Fui correndo para sua casa. Terminando o dever, num momento de súbita loucura, mostrei meu amor a ela. Ela recebeu a notícia como alguém recebe as contas de dezembro. Ela disse que éramos apenas amigos; só isso. Aquelas palavras me empurraram direto para o bar mais próximo. Resolvi me afogar nas bebidas a noite toda. Quando peguei meu carro e fui para casa, perdi a direção e bati num poste. A batida foi tão violenta que o arranquei da calçada e os estilhaços rasgaram meus olhos.

De repente, Rita me acorda com um beijo na testa. É preciso que ela passe as mãos em mim para eu perceber que não estou sonhando, pois meus olhos não podem me ajudar a distinguir se estou sonhando ou estou acordado. Rita me ajuda a levantar e me guia até a mesa com o café-da-manhã pronto. Meu pão de queijo e presunto me aguarda ansioso para der devorado. Com seu sorriso matinal (tão divino que até um cego pode perceber), ela me pergunta se eu dormi bem. Eu respondo que sim, embora esteja mentindo. Apressada, ela sai com o café na mão e a bolsa no ombro para o trabalho. Está atrasada. E lá vai ela, guerreira, forte. A mim resta apenas o rádio e a bengala, amigos para todas as horas.

Quando Rita soube do meu acidente e que ficara cego, ficou com um remorso tão enorme que passou a conviver comigo. Ela diz foi por amor, mas eu sei que foi por remorso. Os homens tem dessas coisas. Acham que podem apagar tudo de ruim que fizeram com boas ações. Mentira.

Rita é minha amiga, só isso. Meu coração não concorda. Se conforma. Afinal, Rita olha por mim. Mas não se enxerga em mim.

Deus, se eu pudesse ao menos voltar a ver; se apenas um raio luminoso pudesse ser captado pelas minha debilitadas córneas, eu olharia sempre para os olhos dela; mostraria o quanto sou homem, forte, independente; seria o seu herói, sua fortaleza. Por favor, Pai, torne isto verdade! Eu suplico de joelhos!

A noite passou, e nada aconteceu. Semanas, meses, anos passaram, e nada aconteceu.

Rita vê uma lágrima cair dos meus olhos. Seca-a e me pergunta por que eu choro. Respondo: “Rita, eu não sou homem pra você. Não sou fortaleza, não sou abrigo. Sou apenas um peso a mais na sua vida”.

Já em prantos, digo: "Rita, você não se enxerga em mim”!

Docilmente, Rita passa as mãos em meu rosto e diz: “bobo, é claro que eu me enxergo em você. Todo dia, eu vejo meu reflexo em seus belos olhos azuis”.

Rita me abraça fortemente e começa a chorar.

E assim ficamos.
A noite toda.

Um comentário:

mari disse...

Pra mim, ela ficou com ele por pena...
desde o começo...
que triste.