Dia da cidadania - 4ª parte

Lá estava ele fazendo a inscrição. Mal sabia o quanto mais iria demorar pra sair desse maldito lugar. Ia esperar sentado, como todos os outros. Exceto a mim. Eu tinha que fazer a prova, já iria fazer 2ª chamada, se a perdesse, teria que fazer a prova final. E a prova final do fdp do professor era a pior de todas; e ele ainda não ia com a minha cara, ia me reprovar se caísse na rede dele, com certeza. Acho que isto tudo legitima minha desonestidade. Ou não? 

- Auguste, meu filho, o rapaz quer que você assine seu formulário; vamos logo! - meu tio apressado.
- Tá bom, tá bom! - resmunguei.
Coloquei minha assinatura e digitais no documento. Meu tio puxou da minha mão e levou pra outro burocrata assinar. Puxa, ele estava apressado mesmo! Parecia até que ele é quem estava em conflito.
Enquanto meu tio arrumava a papelada, criei coragem e devagar, com muita dificuldade, cheguei até o Rafael e disse:

- Fala aí, champs, belezinha?- meu sorriso parecia feito de ouro, de tão amarelo que estava. Era de pirita mesmo.

- Que feio, hein, Guga? Furou fila! Tsc tsc...

- Eu, furar fila? Que nada! Cheguei aqui bem antes do que você! Tanto que nem sabia que tu viera hoje!

- Que horas você acordou, então? - ele é foda...

- 1 hora da manhã! - eu podia ter mentido melhor, mas estava nervoso, ora ¬¬'

- 1 hora da manhã, sei...

- Vamos, Auguste! Já acabou por hoje! - chamou-me meu tio.

Nem me despedi do meu amigo. Nem olhei pra cara dos outros. Fugi daquele lugar. Fugi daquela situação vergonhosa. Pra ser sincero, eu fugi de mim. Não sei como ninguém colocou o pé na minha frente naquele corredor estreito.

Na saída, um homem que estava vendendo bala avistou meu tio:

- Jean, meu vereador! O que veio fazer aqui? - outro puxa-saco ¬¬'

- Ah, meu Claudinho, hoje eu levei meu sobrinho pra se alistar!

- Mas ele teve que ficar nessa fila gigante desde às quatro da manhã?

- Não.

- Ah, então tá ótimo! Ainda bem que eles deram essa honra pro garoto – ele disse “honra”?

- Não foi tão difícil, amigo. Eu tenho uns amigos aqui também!

- Ora, o senhor tem amigos em todo lugar, meu vereador! 

- Ok, Claudinho, tô apressado pruma reunião no gabinete do prefeito. Depois a gente conversa mais. Um abraço, homi!

- Pro senhor também, seu Jean! Não esqueça de falar com o Bonitin da minha casa!

No caminho até o carro, silêncio entre nós dois. Pelo incrível que pareça, não passava nenhum carro naquela hora. Só os pássaros faziam sua sinfonia. Que bucólico. Na pracinha do lado há pessoas em trapos dormindo no chão. PESSOAS. E crianças no sinal fazendo malabares em troca de moedas, de sua sobrevivência. CRIANÇAS. A miséria me deixa tão triste... 

Queria ser um pássaro. Tem que fazer prova da faculdade? Bate as asas e rapidinho tá na praia. A galera te olha com cara de poucos amigos na junta militar? Pula da janela e vá pra bem longe, mundo afora. Deu a crise de burguesinho-choramingar-o-porque-da-vida-ser-injusta? Bate as asas pra Disney. Mas, mesmo com asas, seria errado fugir dos problemas. Temos que aceitar o que somos, sentimos, acreditamos ser o certo para estar de acordo com si. Mas temos que também arcar com as responsabilidades e consequências dos nossos atos. E assim eu canto melancolicamente, dentro de uma gaiola. Mas é a maneira mais bela de cantar, pois é sincera.

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Aew, galëre, acho que v6 já até sabem o que vou dizer... isso mesmo criançada, continua!! Bom domingo e boa semana pra todos. Bjs e me liguem =********

Veja também:

1a parte

2a parte

3a parte