Dia da cidadania - 5ª parte

Alguns metros adiante, desabafei:

_Tio, eu não deveria ter ido com o senhor pra Junta. Fui desonesto com cada um que estava ali na fila e, principalmente, comigo.

_Meu filho, você ainda vai aprender a viver. Isso é só o começo.

_Mas...

_Você não acha que se qualquer um daqueles rapazes, incluindo os que te desaprovaram, tivessem alguma influência dentro das Forças Armadas, não teriam feito o mesmo que você?

_Não sei, tio, mas, de qualquer forma, obrigado pela ajuda.

_Ah, Deus, essa juventude... de nada, filho.

Despedi-me do tio na prefeitura e fui a pé pra casa. O sol estava forte pacas e eu já pensava em tirar a camisa. Porém, lembrei que não seria nada agradável para os outros ver um monte de banhas balançando pela Via Light. Snif, ó, céus, me sinto tão vazio...

Com a cabeça fervendo, olhei para os ônibus e kombis, lotados de gente dentro e enormes filas nos pontos. Me dá até inveja dessa gente humilde. Mesmo sem eira nem beira, sem acesso a saúde e educação de qualidade, tendo que se espremer nessas latas pra ir e voltar do trabalho, e vivendo sob as rédeas dos poderosos, eles seguem em frente com coragem e determinação por um futuro melhor para os filhos. E eu, aqui, triste, chorando devido a uma crisezinha de merda.

Veja bem; sou um jovem de 17 anos, que mora no centro de Nova Iguaçu, tenho casa própria, amigos de verdade, família estruturada, estudo numa Federal e não tenho que botar comida na mesa. Por quê, então, eu sou tão infeliz?

Um ônibus desce a rua em direção oposta a minha. Seria bem irônico se um ônibus lotado de trabalhador atropelasse um burguesinho. Pelo menos Marx morreria de rir. O ônibus está mais próximo. Stálin dobra a esquina de mãos dadas com Trotsky. O motorista está para executar a sentença. Anda logo, me atropela, me atropela, me atropela, me atropela, me atropela, me atropela...

_Auguste, você está bem?

_Quê?! Ai, pai, to bem sim! - disse assustado.

_Como foi lá na Junta, filhão?

_Ah, pai, foi.

_Você tá chorando?

_Não, é suor, suor.

_Cadê o formulário?

_Táqui.

Pegou-o, e com os olhos brilhando exclamou:

_Garoto, em breve, você se tornará um cidadão de verdade! Você vai adorar hastear a bandeira nacional e cantar o hino no quartel de Deodoro!

_Ah tá. Será ótimo. Isso sim que é cidadania.

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Outras partes do conto:
1a parte
2a parte
3a parte
4a parte
Interlúdio

Olá, pessoal! Este foi o fim da 1ª parte de "Dia da cidadania". A estória continuará quando Auguste tiver que se apresentar no quartel, em Deodoro. O que será que nosso menino incompreendido terá de enfrentar? Será que ele continuará com a ideia de não servir? Ou mudará de ideia? Como ficaram as relações dele com seu amigo, Rafael? Não me perguntem. Dêem tempo ao tempo, só ele pode responder.

NOTA¹: estou pensando em, quando terminar este conto, fazer dele um livro. O livro, na verdade, será um e-book, que estará sob licensa creative commons. Precisarei também de um desenhista para ilustrá-lo. Se alguém tiver uma sugestão, é só falar ;D

NOTA²: "Gente Humilde" (música de Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto, e letra e adaptação de Vinicius de Moraes e Chico Buarque), na voz de Renato Russo. Eu prefiro a interpretação da Ângela Maria no estúdio, mas não achei em lugar nenhum =/

UPDATE: resolvi dar um upload na Versão da Ângela Maria com Rafael Rabello. Você pode fazer o download aqui

NOTA³: feliz dia dos pais para todos os paizões do mundo, estejam aqui conosco ou bem longe. Saibam, que apesar da distância, seus filhos os amam muito =**