sábado, 10 de julho de 2010

A morena dos olhos verdes [revisita]

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Hoje, percebe-se muito bem o crescimento do setor imobiliário no país, apesar da crise que assolou o mundo globalizado. Quem consegue perceber isso bem são aqueles que faturam uma grana preta vendendo seus terrenos, ou moram ao lado de construções – que é o meu caso. Pra vocês terem ideia, na minha rua, há muito tempo estão construindo edifícios, uns atrás dos outros. As empreiteiras levam a construção civil tão a sério que me pergunto se um dia, quando não houver mais espaço nem para se construir uma casa de cachorro, se elas destruirão tudo para não perderem a razão de sua existência. Só aí que eu me lembro para que servem também as reformas urbanas [$$ --> $$$$$]. Coisas do mercado...

Mas, voltando à minha estória, antes desses edifícios, quando eu era bem jovem, todo dia via a morena dos olhos verdes passar na rua. Desde que minha família se mudou pra cá, ela nunca sorriu pra mim; porém, eu me transformava num enorme sorriso toda vez que a via.

A morena dos olhos verdes, na verdade, planava pela calçada desnivelada e esburacada com suas asas. Não havia algum moleque que não parasse de jogar bola para prestar atenção em seus cabelos aos ventos, suas mãos tão pequeninas, suas curvas tão belas, suas covinhas tão vermelhas e sua estatura de menina; tudo isso ao sabor da contemplação e inveja alheia.

Os meninos da rua suplicavam e brigavam por sua atenção, e ela sempre dizia a mesma coisa: “Não! Só quando eu me apaixonar de verdade!”. Acho que ela era realmente especial por isso mesmo, pois não era qualquer um que conseguia um beijo seu. Ela era demais. Um anjo que veio me dar razão pra viver. Única. Eterna...

O tempo passou, nós crescemos, e as casas começaram a ser vendidas para as empreiteiras. Quando o primeiro edifício ficou pronto, a menina dos olhos verdes arranjou um namorado. Era forte, ia pra academia todo dia, se gabava pelo que tinha – roupas de marca, a moto Kawasaki, a cobertura –; saía sempre com os amigos pras raves da capital, não ligava pros estudos (pois, segundo ele, bastava ser como o pai: político). Era o par perfeito pra ela; afinal, os opostos não se atraem?

Mais tarde, outro edifício ficou completo. Ela descobriu que o namorado a traía com “uma outra piriguete aí qualquer”. Pensou em se vingar dele; se interessara por um carinha que viera do Rio. Para ela, sair com um carioca dava mais status do que com um filho de “coronel”.

Com a terceira construção, descobriu que estava grávida de três meses. Ela não tinha certeza de quem poderia ser o pai. Nem namorado e amante quiseram saber dela, muito menos do “problema". Sua mãe defendeu o aborto. O pai é interrompido durante o trabalho pela mãe e dá a sua opinião: “hmm, faça isso, querida”. Está sempre ocupado com os relatórios da empresa. Sempre.

Um novo edifício surgiu no horizonte, tampando o pôr-do-sol. No mesmo mês que compraram um apartamento e fizeram as mudanças, a mãe da morena morreu num assalto, quando ela estava para subir a rampa do estacionamento. O pai, que vivia traindo a esposa nas viagens empresariais, entrou em depressão; entregou-se às bebidas e acabou perdendo o emprego.

Prestes a completarem o quinto edifício, a menina olha pro horizonte pela varanda do apartamento. Os corpos celestes, que outrora monopolizavam a noite, passam agora a dividir o espaço com as centenas de luzes de apartamentos. Decepcionada com o rumo que sua vida tomou, ela resolve bater as asas e encontrar abrigo num lugar onde alguém a entenda.

Desta maneira, a minha rua passou a parecer um filme em preto e branco. A morena era a fuga das minhas frustrações, véi. Apesar dos prédios, engarrafamentos, da poeira, fumaça e novas obras, tudo era como nos velhos tempos em que jogávamos bola na rua e a víamos planar. Nunca mais fui o mesmo depois de sua despedida. E as obras continuaram...

Apesar de tudo, o show tem que continuar. De todos os meus amigos, eu fui o único que conseguiu manter a casa; isto porque consigo pagar o altíssimo IPTU, já que ganho um bom salário como juiz. Todas as noites, mesmo com vários prédios, eu ainda consigo ver um pedaço do céu. E do quintal da minha casa, eu fico, até o sono me chamar, numa árdua, porém digna, missão: achar a minha morena dos olhos verdes. Não posso vacilar a nenhum instante, pois, num pisque, ela pode passar e eu perdê-la de novo. Um dia eu a acho, tenho certeza; e ela irá sorrir pra mim.

Um comentário:

Anônimo disse...

Maneira! Não sabia que você também era juiz.