quarta-feira, 28 de julho de 2010

Mortes durante chuvas intensas no RJ: culpa dos pobres ou do projeto político das elites brasileiras?

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Artigo publicado no Jornal Viramundo, de autoria de Bernardo Nazareth e Diego Sodré. Trata-se da análise critica de uma passeata que ocorreu em Niterói, no mês de maio, para pressionar governantes a ajudarem as vítimas das chuvas intensas em niterói.

Como é de conhecimento de todos, no início do mês de abril, fortes chuvas atingiram o Estado do Rio de Janeiro. Porém, desta vez, não foi apenas “o trânsito ruim” que a mídia abordou, mas também os vários deslizamentos em morros e comunidades de todo o Estado, com 249 mortes contabilizadas, em especial em Niterói, onde 164 pessoas morreram. Em todo o estado, 11 mil pessoas ficaram desabrigadas e outras 60 mil foram obrigadas a deixar suas residências. Há quem diga que o pobre é o verdadeiro responsável por esta desgraça porque “quer morar em locais perigosos”. Entretanto, outros enfatizam quase que exclusivamente o papel dos políticos nestes eventos. Quem será que está certo? Há alguém plenamente correto nestas análises? Pensamos que não; e mostraremos neste artigo o porquê.



Como de costume, a tática de colocar a culpa nos pobres e “tirar o corpo fora” foi utilizada pelos governantes – os gerenciadores dos interesses capitalistas. Em nenhum momento, se falou na grande mídia sobre a falta de planejamento urbano para os pobres, sobre a especulação imobiliária que mantém centenas de prédios vazios, como na zona portuária da cidade do Rio de Janeiro – onde esperam que, com a revitalização do Porto, se tenha um crescimento do valor dos imóveis.


A população das comunidades afetadas, junto a sindicatos e organizações estudantis, organizou um Ato para denunciar os responsáveis pela tragédia e cobrar soluções. Mais de 1.000 pessoas estiveram presentes no ato, que seguiu da Prefeitura Velha de Niterói até a atual sede. Quando chegaram à porta da Prefeitura, os manifestantes anunciaram no carro de som que gostariam de uma reunião com o prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira, que, por acaso, não estava na sede da Prefeitura. Mesmo assim, uma comissão de 10 moradores das comunidades atingidas foi recebida pelo Secretário de Governo, Michel Salim Saad, tio do prefeito.


Durante o ato, os moradores das comunidades atingidas foram ao carro de som denunciar os problemas vivenciados pela população desses locais, que não se resumem apenas aos deslizamentos; mas também a falta de educação e saúde pública de qualidade, de saneamento básico, e tal.


Apesar da participação popular, o ato foi utilizado por vários militantes e políticos do PSOL pensando nas eleições de 2010, e isto merece destaque. Militantes de CA's e DA's da UFF e até uma estudante da UFRJ, além de um integrante do mandato Marcelo Freixo, subiram ao carro de som para “denunciar” Lula, Sérgio Cabral, Eduardo Paes e Jorge Roberto Silveira como “os culpados” pelo que ocorreu e por todos os problemas que o povo passa no seu dia-a-dia, fingindo não saber que os governos no Estado burguês são meros gerenciadores dos interesses dos capitalistas.


Por quê não falaram do processo de concentração fundiária, da especulação imobiliária? Aliás, por quê disfarçar a burguesia com a alcunha “a sociedade”? Parece muito estranho “poupar” a burguesia desta forma, e falar apenas dos “bois-de-piranha”, os “senhores” governantes que eles citaram com tanto “heroísmo” no ato. Tudo isto mostra que aqueles militantes do PSOL têm como fim a conciliação de classes, ou seja, um mundo onde todos os patrões e empregados são “amigos do peito”. Faz-nos rir!


Segundo o professor Paulo Alentejano, o motivo, na verdade, para o impedimento da obtenção de uma moradia própria pelos mais pobres na cidade começa com a forma acelerada com que se expulsou do campo brasileiro, no último século, mais de 50 milhões de pessoas. A perpetuação do controle das terras pelo latifúndio e a modernização deste estão na origem da expulsão desta enorme massa de trabalhadores rurais, os quais foram precariamente absorvidos pelas grandes cidades brasileiras. A histórica reivindicação da reforma agrária foi não só negada, como substituída por uma política de incentivo ao desenvolvimento de tecnologias poupadoras de mão-de-obra no campo, levando ao aumento da concentração fundiária e ao desemprego e sub-emprego generalizados no campo e à consequente expulsão de grandes contingentes de trabalhadores rurais para as grandes cidades. Nelas, em busca de uma vida justa, os trabalhadores fixam suas moradias – quando não debaixo das pontes – nas encostas de morros e lixões soterrados, lugares que não foram abocanhados pela especulação imobiliária.



Sobre o argumento de qualquer cidadão de bem, de que morar em uma “cidade-dormitório” (Paracambi e Magé, por exemplo) é mais seguro e digno do que morar em cima de uma “bomba-relógio”, isto é algo para se discutir e relativizar num próximo artigo, devido às longas reflexões que cansará a ti, leitor, fazer, além das que expusemos neste texto. Porém, vale levantar as seguintes questões: “será seguro enfrentar horas de trânsito engarrafado, com riscos de assaltos, ou uma agradável viagem em trens-fantasma da década de 80 (sem refrigeração) para se chegar ao trabalho?”; ou, então, “será que há patrão ‘bonzinho’ que paga quatro passagens para seu futuro empregado, podendo contratar outro que mora tão próximo de seu estabelecimento?”.


Assim, a razão para o fim trágico de diversas vidas pelas chuvas não está nos mortos, nas suas famílias, ou nos seus ascendentes que fizeram residência nas encostas, e nem somente nos governantes, como querem os políticos demagogos. O principal responsável por tantas vidas desperdiçadas é um projeto político excludente e explorador, criado e mantido por uma elite parasitária que vive do suor e da consciência alienadas de uma maioria oprimida. Os governantes nada mais, nada menos são do que marionetes, defensores dos interesses da burguesia.


Terminamos este artigo ilustrando certo fato: enquanto os militantes falavam mal do “Eixo”, uma avó fazia de tudo para manter seu neto perto dela. Em seus braços, ela carregava três cruzes negras e velas. Afinal; quem assassinou sua filha, seu genro e seu outro neto?
Para quem quiser ler o jornal Viramundo, do DA de ciências sociais da UFF, onde se encontra este artigo, aqui vai um link com a edição de maio em pdf.

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